EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - DEMANDA DE NATUREZA COGNITIVA SUMÁRIA - POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE ALEGAÇÃO E CONHECIMENTO DE QUESTÕES DE ORDEM CONTRATUAL - DECLARATÓRIA INCIDENTAL - EXEGESE DO ART. 325 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - NULIDADE PROCESSUAL DECRETADA DE OFÍCIO.
I - Nada obstante o caráter sumário das ações de consignação em pagamento, dependendo dos contornos da lide jurisdicionalizada, é possível que o seu espectro cognitivo seja ampliado além das fronteiras estabelecidas no art. 973 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 335 do Código Civil de 2002) para atingir o exame acerca do contrato, vigência e validade de suas cláusulas, na exata medida em que repousa sobre ele o pedido consignatório.
II - Assim, se o réu contesta o direito que constitui o fundamento da pretensão do postulante e o autor articula declaratória incidental nos moldes do disposto no art. 325 do Código de Processo Civil, deve o magistrado processar a nova demanda no bojo do mesmo processo, formando novo contraditório (incidente), com todos os seus desdobramentos, julgando-a simultaneamente com a principal.
Se o juiz, inversamente, silencia a respeito da pretensão declaratória incidental e deixa de processar o pedido do autor, sem ouvir sequer a parte contrária, terminando por resolver a lide antecipadamente, pela improcedência do requerimento formulado pelo postulante na peça inaugural, viola o devido processo legal em face do manifesto cerceamento de defesa, razão pela qual o feito há de ser anulado de ofício.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação cível n. 2003.009760-0, da comarca de Videira (2.ª Vara), em que é apelante José Darli Kroth e apelado HSBC Seguros Brasil S/A:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, de ofício, anular o presente feito a partir da sentença, inclusive, a fim de determinar o processamento da pretensão declaratória incidental deduzida pelo autor.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
José Darli Kroth ajuizou ação de consignação em pagamento contra HSBC Seguros Brasil S/A pelos fatos e fundamentos jurídicos descritos na exordial de fls. 2/7, alegando, em síntese:
Ter firmado com a Ré um contrato de seguro de assistência de saúde e, como a apólice venceria em 30 de junho de 2002, o Autor recebeu da Corretora responsável uma correspondência informando-lhe que o prêmio securitário receberia um acréscimo de 105,11% e que, caso o Segurado não renovasse a apólice, poderia optar pela migração de plano.
O Consignante, então, manifestou-se contrário ao reajuste, requerendo à Corretora um cálculo pormenorizado da operação, o que não foi atendido, tendo a Ré rescindido unilateralmente o contrato.
Ao final, requereu a procedência do pedido para:
1. Autorizar-se o depósito do valor relativo ao prêmio securitário que entende devido (R$ 335,73), concernente ao mês de julho de 2002, bem como das demais parcelas vincendas, por tratar-se de prestações periódicas.
2. Declarar-se a continuidade do contrato firmado entre as partes, com a extinção da obrigação de pagamento das parcelas consignadas nesta demanda.
À causa foi atribuído o valor de R$ 4.028,76 e a inicial veio instruída com os documentos de fls. 8/35.
Regularmente citada, a Ré compareceu à audiência designada (fls. 42), oportunidade em que resultou inexitosa a tentativa de conciliação. Após, ofereceu resposta em forma de contestação (fls. 46/53), requerendo a improcedência do pedido e a condenação do Autor nas cominações de estilo.
Impugnação à contestação às fls. 111/123, tendo o Demandante deflagrado, na mesma peça, pedido declaratório incidental acerca da relação jurídica existente entre as partes decorrente do contrato firmado.
Sentenciando (fls. 142/144), o Magistrado a quo julgou o pedido improcedente, condenando o Demandante ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.
Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso (fls. 149/163) objetivando a reforma da sentença pelos mesmos fundamentos anteriormente expendidos.
Contra-razões às fls. 176/185.
Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso.
É o relatório.
II -VOTO:
De início, mister ressaltar ser equivocada a assertiva contida na sentença recorrida de que "a ação de consignação em pagamento não é meio idôneo para discutir a substância do vínculo obrigacional que liga as partes" (fls. 144).
Isso porque, nada obstante o caráter sumário das demandas desse jaez, dependendo dos contornos da lide jurisdicionalizada, é possível que o seu espectro cognitivo seja ampliado além das fronteiras estabelecidas no art. 973 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 335 do Código Civil de 2002) para atingir o exame acerca do contrato, vigência e validade de suas cláusulas, na exata medida em que repousa sobre ele o pedido consignatório.
Não é outro, pois, o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. SFH. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DISCUSSÃO AMPLA. POSSIBILIDADE.
1 - Esta Corte tem entendimento assente no sentido de que na ação de consignação em pagamento é possível ampla discussão sobre o débito e o seu valor, inclusive com a interpretação da validade e alcance das cláusulas contratuais.
2 - Recurso conhecido e provido para determinar o julgamento da apelação." (Recurso especial n. 604095/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 12/12/2005).
Desse modo, possíveis são a alegação e o conhecimento, em caráter excepcional, de questões de ordem contratual em sede de ação de consignação em pagamento, desde que com ela guardem ligação direta.
De outro vértice, analisando os autos para conhecimento do mérito recursal, verifica-se que o Autor/Apelante formulou, oportunamente (impugnação à contestação de fls. 111/123), pedido declaratório incidental, tudo conforme autoriza o art. 325 do Código de Processo Civil, in verbis:
"Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5.º)."
In casu, requereu o Demandante/Apelante a declaração incidente acerca da relação jurídica existente entre as partes decorrente do contrato de seguro-saúde por elas firmado, tendo em vista que o Réu/Apelado teria contestado o direito sobre o qual se funda a sua pretensão, tudo nos moldes do disposto no art. 325 do Código de Processo Civil.
Assim, a questão mostra-se prejudicial à análise do mérito da ação consignatória, capaz de influenciar em seu julgamento, razão pela qual deveria o Magistrado processar a nova demanda no bojo do mesmo processo, formando novo contraditório (incidente), com todos os seus desdobramentos, julgando-a simultaneamente com a principal.
Sobre esse tema, já tive oportunidade de assim manifestar-me em sede doutrinária:
"Proposta a ação declaratória incidental, haverá de ser aberto prazo para a respectiva resposta à parte contrária, no prazo de 15 (quinze) dias.
(...) Processa-se a declaratória incidental nos próprios autos da ação principal, sem maiores problemas ou ressalvas.
(...) Por outro lado, o art. 325 exige que o juiz profira uma sentença, solucionando a questão prejudicial incidente. Todavia, essa operação cognitiva de julgamento poderá perfeitamente ser realizada numa única sentença, desde que o juiz conheça, em ordem logicamente antecedente, da questão prejudicial, manifestando-se a seu respeito e, em seguida, passando ao conhecimento da lide principal" (conf. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4, tomo II, coord. Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: RT, 2001, p. 410-419).
Entretanto, se o Juiz sentenciante, inversamente, não só deixa de processar o pedido do autor, mas também silencia a respeito da pretensão declaratória incidental, terminando por resolver a lide antecipadamente, pela improcedência do requerimento formulado pelo postulante na peça inaugural, viola o devido processo legal em face do manifesto cerceamento de defesa.
Por esses motivos, anula-se o presente feito, de ofício, a partir da sentença, inclusive, a fim de determinar o processamento da pretensão declaratória incidental deduzida pelo Apelante.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, decidiu a Primeira Câmara de Direito Civil, por unanimidade e de ofício, anular o presente feito a partir da sentença, inclusive, a fim de determinar o processamento da pretensão declaratória incidental deduzida pelo autor.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores Carlos Prudêncio e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 6 de março de 2007.
Carlos Prudêncio
PRESIDENTE
Joel Dias Figueira Júnior
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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